Contato | Eu quero acreditar


“Não pense que o universo é um deserto. Faz bilhões de anos que não é isso”, disse ele. “Pense nele como... mais cultivado”.

Carl Edward Sagan (1934 – 1996) foi um astrônomo, astrofísico, cosmologista, escritor e divulgador científico. Entre vários artigos e livros, lançou um romance a que deu o nome de CONTATO. A presente obra reúne vários pensamentos e pesquisas de Sagan em torno da busca dos seres humanos por extraterrestres.

Há vida em outros planetas? Se sim, como eles são, como pensam, como vivem? Qual o papel da religião na vida das pessoas? Qual o papel da ciência na vida das pessoas? São algumas das perguntas a que se propõe a trabalhar, não responder, neste livro.

Esta Observação procura pontuar algumas dessas colocações.

UM DEBATE SOBRE FÉ E CIÊNCIA

Em Contato, Eleanor ‘Ellie’ Arroway é uma jovem sonhadora que sempre buscou as estrelas em busca de respostas, mesmo em um dia em que sua mãe a olhava por uma janela enquanto escrevia uma carta que no futuro mudaria toda sua vida.

Ellie amava o pai, que a incentivava no campo da ciência quando criança, mas ele morreu e sua mãe casou novamente com um homem de quem desde o início desgostara. Entretanto, é nítida a presença do pai em todo seu trabalho até a fase adulta e o sentimento de falta é tanto que isso se materializa quando finalmente encontra os seres extraterrestres.

O livro de Sagan vai além de contar uma história de uma garota em busca de seres de outros planetas. Ao longo de todo o romance acompanhamos um debate entre a fé e a razão. A astrônoma é extremamente dura com o pensamento religioso, “ora, quando olho para a religião, vejo um grande número de opiniões contraditórias”. Mas também não deixa de desacreditar totalmente.

A ideia, provavelmente, foi mostrar que ela mantém a mente aberta para qualquer coisa que possa vir, e isso inclui um possível deus ou ETs. “Escute, todos nós temos sede de coisas prodigiosas. Esse é um atributo profundamente humano. Tanto a ciência como a religião vivem disso. O que estou querendo dizer é que não precisamos inventar histórias, não temos de exagerar. No mundo real existe uma dose suficiente de prodígios e reverência. A natureza inventa prodígios muito melhor que nós”.

O MUNDO ENQUANTO CIÊNCIA

“No mesmo momento em que o homem descobriu a escala do universo e verificou que suas mais loucas fantasias eram, na realidade, insignificantes em comparação às verdadeiras dimensões até de nossa própria galáxia, a Via Láctea, ele como que tomou medidas para que seus descendentes ficassem inteiramente impossibilitados de ver as estrelas”.

O ser humano tende a ser descrente em relação a ciência, até que seja provado. Curiosamente, a religião segue caminho diferente para boa parte da população da Terra, muitos acreditam até mesmo sem prova.

A ciência pode nos ensinar muitas coisas: o homem pode voar, se locomover por estradas férreas ou viárias com apetrechos mecânicos, pode ver estrelas com a ajuda de uma combinação de lentes, pode curar vidas. Por que, então, não acreditar que ela pode nos ajudar a entender o meio em que vivemos? Darwin nos provou teoricamente, o que seria completado com várias descobertas em escavações, que o evolucionismo aconteceu. E antes dele tivemos os dinossauros. É real, ninguém inventou.

Então, por que não acreditar que possam existir vidas em outros planetas? Pensar que um deus todo poderoso, se existir, faria um universo inteiro apenas para seres que ligam mais para brigar entre si do que qualquer outra coisa é ridículo. O livro até nos mostra como a união de dois inimigos por anos, Estados Unidos e União Soviética, foi possível em construção em prol de algo em comum. A disparidade e ataques entre as religiões, somado a várias questões socioeconômicas, simplesmente impossibilita isso na vida real.

Talvez a resposta para tudo esteja mesmo em Pi como Sagan explora ficticiamente em sua obra, talvez não tenhamos uma resposta para tudo. Talvez não precisemos. Talvez tudo que precisemos fazer é viver.

PI E A MATEMÁTICA

Pi também o nome de um interessante
filme de Darren Aronofsky sobre teorias
matemáticas
Pi ou π é conhecido no campo da matemática como uma proporção numérica que tem origem na relação entre o perímetro de uma circunferência e seu diâmetro. É uma questão um tanto complexa para mim, provém dos egípcios e dos gregos antigos, e talvez este não seja o melhor local para sua ampla explicação. Além disso, para quem leu o livro, a explicação já está um pouco mais clara lá. O que quero comentar é a sua participação na obra.

Diante da menção de seu professor dos tempos de escola de que sua pergunta sobre ‘como é que se pode saber que os decimais continuam a vida toda, sem acabar’ era boba, Ellie resolve investigar. Curiosamente, Pi é descrito até mesmo na Bíblia, ainda que de maneira bastante primária. A obsessão pelo número é tanta que tal não é sua surpresa quando descobre que os Zeladores, grupo de ETs que encontra em algum lugar do universo, também não tem a resposta.

“Que diz a sua Mensagem? A de pi?”
“Não sabemos”, respondeu ele, um pouco triste, dando alguns passos na direção dela. “Talvez seja uma espécie de acidente estatístico. Ainda estamos investigando”.

É estranho para quem não leu o livro entender como π alcançou essa escala universal, mas tem a ver com a forma como a viagem dos tripulantes da Máquina foi realizada e as teorias envolvidas. A questão é que Sagan nos propõe, ao final, que sua resolução pode nos levar novamente a fé, demonstrando que religião e ciência podem sim andar juntas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para quem acha o livro denso demais, uma alternativa para conhecer a obra é o filme de mesmo nome, dirigido por Robert Zemeckis (da trilogia De Volta para o Futuro), de 1997, com Jodie Foster e Matthew MacConaughey. Entretanto, a produção, embora um pouco maior para os padrões fílmicos estadunidenses e com bons efeitos visuais, pena para contar a história idealizada por Sagan.

São vários os pontos alterados e contra as bases do livro. Por exemplo:

- O filme foca em um romance inexistente até o final do livro, entre Ellie e Palmer Joss. Talvez a única coisa que nos leve a entender o porquê disso é a necessidade do ‘público’ do filme preterir romances a histórias centradas na ciência.

- Drumlin simplesmente age como um puro invejoso no filme, enquanto no livro temos a leve menção de que ele na verdade gostava de Ellie, mesmo ofendendo-a e desfazendo-se dela, tanto que a salva quando a Máquina explode nos Estados Unidos.

- A própria explosão é alvo de contestação. Por que precisávamos nomear alguém para praticar o terrorismo? São tantos grupos que seriam contra a construção do artefato, e isso o livro nos aponta muito bem, que não havia aparentemente essa necessidade, como o original o faz.

- A construção d’ Máquina também deveria ser base da união dos povos – o livro se passa no período da Guerra Fria e mostra os Estados Unidos aliando-se à antiga União Soviética –, mas ao termos mais estadunidenses do que qualquer outro povo no mundo para ocupar a cadeira na Máquina está claro que não foi bem a intenção do filme unir ninguém.

- E o que falar do ‘contato’? Tudo bem que os seres levam os humanos até lá apenas para dispensá-los rapidamente, mas ao menos no livro dão mostras do seu papel na expansão dos cosmos, explicam a dimensão do universo e entram na questão de que π esconderia a explicação para o sentido de tudo, como dito nos tópicos anteriores.

O filme termina com um singelo ‘For Carl’, mas tenho minhas dúvidas se o Sr. Sagan teria de fato gostado, caso ainda estivesse vivo.

Pensando bem, deixe o filme pra lá. Leia o livro!

CONTATO
Título original: Contact
Autor: Carl Sagan
Tradutor: Donaldson M. Garschagen
Editora: Companhia das Letras (selo Companhia de Bolso)
Páginas: 440
Ano de lançamento: 2008

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